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COLUNA CULTURAL DUDA OLIVEIRA

Tempo de leitura: 3 minutos

“Alguma coisa está fora de ordem, fora da Nova Ordem Mundial.” (Fora de Ordem, Caetano Veloso, 1991)

          (Yue Minjun, Execução – 1989)

Em 2007, quando foi vendida a obra Execução (ilustrada acima), de Yue Minjun por US$ 5, 9 milhões na casa de leilões Sotheby (Londres), ganhando o status de ser a mais valiosa obra de arte contemporânea chinesa, muitos críticos não compreenderam a razão, afinal tratava-se apenas de uma obra inspirada na arte, Três de maio de 1808 de Francisco Goya (1746-1828).

O que estava sendo apresentado ao mundo na verdade, era a ascensão de um corajoso artista, criador do movimento artístico de oposição ao regime opressor estabelecido na China, denominado Realismo Cínico, iniciado após o massacre de centenas de civis na Praça da Paz Celestial, em 1989.

 A complexidade da arte de Yue Minjun, é fortemente marcada pela necessidade de interação com espectador. No instante em que um dos personagens da tela se destaca da cena principal para fitar o observador ou apontar em sua direção, o mesmo é capturado para dentro do quadro e passa a ser parte da história ou do inconformismo expresso através da perspectiva do autor da obra. O riso congelado com os olhos cerrados, sempre com a mesma face, retrata o próprio artista, enquanto persona e personagem do drama vivido em seu país. Toda a cena denota um comportamento de escárnio à imposição de uniformização comportamental da sociedade chinesa e uma reação ao estado de cinismo dominante.

(Zang Xiaogang, Série Genealogia, 1997)

Em 1997, o artista plástico Zhang Xiaogang, através de sua Série Genealogia, também contextualizou a infiltração do Estado nas vidas privadas, ocorrida principalmente, após a Revolução Cultural, 1966-1976. Seus trabalhos abordam os padrões comportamentais das famílias chinesas e seus laços de sangue, denominado de Bloodlines. Os arquétipos se apresentam sempre através do conformismo, apatia e da placidez das cores. A quebra da monotonia da imagem se dá pelo destaque da genitália masculina do bebê, relevante para sociedade de reposição de mão de obra, na cor oriental amarela e no fio vermelho que envolve a família para destacar a consanguinidade.

Do mesmo modo surpreendente, a mais valiosa obra humana realizada de todos os tempos, também foi construída na China, denominada Covid-19. Foi concebida pela astúcia do homem da “Nova Ordem Mundial” do pós-Guerra Fria. A política do lucro a qualquer custo sobre uma população per capita muito pobre, subserviente a uma estrutura social e política retrógrada, fora a paleta de cores perfeita para atender requintados interesses econômicos. O esgotamento desta estrutura através da escassez de alimentos, alta densidade populacional e baixa renda, levou parte desta sociedade oriental a sobreviver dos mesmos “alimentos” dos tempos de “Estado de Guerra”.

A humanidade estarrecida busca culpados pela pandemia, naturalmente aponta os flagelados desta história, como os exóticos com gostos e hábitos alimentares medonhos. As paradoxais teses do existencialismo aplicadas pelos ocidentais são insuficientes para compreender que o Covid-19 é uma criação de um Sistema Econômico doente, violento, humilhante e insaciável.  

Em tempos de confinamento mundial nos resta compreender que a definição polarizada do bem e do mal, é um meio covarde e artificioso de vulnerabilizar os já hipossuficientes, potencializando o caos e elegendo um bode expiatório, o que não resolve o problema. Nesta guerra pandêmica todos foram atingidos de alguma forma, e isso nos torna parte do problema, mas sobretudo também da solução.

   Nietzsche  em sua obra A Gaia Ciência, afirmara que somente a grande dor é a última libertadora do espírito e que a mesma, nos obriga a descer até a nossa última profundeza para tirar de nós tudo o que há de bondoso, brando, mediano, onde ali talvez, esteja depositado nossa humanidade. Por fim, conclui dizendo: “Duvido que uma tal dor melhore – mas sei que ela nos aprofunda.”

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