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Coluna Cultural Duda Oliveira

Tempo de leitura: 2 minutos

“É preciso extrair a intuição que faz o sistema cindir, ao ponto do sistema voltar-se contra si mesmo…” (Deleuze, Os Pensamentos Aberrantes. Trad. Laymert Garcia).

Neste ensaio denominado Anverso, busco a ampliação das formas de compreensão da arte, redimensionando experiências em espaços da cidade.  Mergulhada em pesquisas semióticas, minha primeira análise ocorre in loco dentro de uma metalúrgica, registrando manifestações espontâneas de operários quando não estão sobre o império das leis trabalhistas, nos períodos de intervalos de descanso em espaço destinado ao alijamento de materiais sucateados.

Simbolicamente, o local em questão pode ser identificado como desordenado e confuso, exposto às intempéries do tempo e espaço, aspectos que por assimilação ou por integração, estão presentes na vida social cotidiana desses operários. Imagem I, II e III.

Desta forma, o processo cognitivo desenvolvido pelos operários para organizar o lugar se dá com a compreensão de sua paisagem referencial. A manutenção da desordem segue uma ordenação aleatória através de arranjos e de combinações improváveis. Apresentam elementares estéticas desafiadoras à compreensão academicista, fazendo por vezes parecer que estamos dentro de uma tela ou escultura neoconcreta, conforme se pode ver na imagem IV, V e VI.

Em outro momento, é possível encontrar nas paredes ou em objetos descartados, grafites que registram o tempo, o uso e as relações de cotidiano; experiências pessoais veladas repletas de significantes e de poética, como se pode observar na imagem VII, onde se encontra um grafite em amarelo, descrevendo figurativamente um manifesto de descontentamento com a relação de trabalho: “White Morcego Branco”, ao lado está um trabalho coroado com uma espécie de coroa de arame farpado.  

Mesmo nos espaços degredados e sem função de uso dentro da indústria, é possível observar que a distribuição de objetos segue uma lógica Le Corbosiana de valorizar os vãos da arquitetura, projetando espaços que não existem, através de ângulo diametral, como se pode ver na imagem VIII.

A inteligência sensível está presente em todo momento. A relação de respeito e reverência com o funcionário mais antigo da metalúrgica, detentor de maior conhecimento, lembra a poema de Baudelaire “A Perda do Halo” às avessas. Chama também atenção, a forma como os funcionários se envolvem com suas individualidades de maneira criativa através do assobio, parecendo transmutar o ruído do metal e suavizar o repetitivo som das máquinas.

Como bem definiu Walter Benjamin, não se trata de tecer tese sobre a arte do proletariado após a tomada de poder e muito menos sobre o desenvolvimento das artes nas atuais condições de produção, mas da impossibilidade de subestimar o valor de criatividade, genialidade, mistério.

As imagens simbólicas são despidas de apropriações culturais, posto que são vividas e percebidas genuinamente, como apresentada pela imagem IX em que uma espécie de casa/gaiola, com teto caído e encanamento entupido, intuitivamente representa projeto de moradia popular.

O modo como a arte pode redimensionar as experiências de inserções nos espaços da cidade e dos museus, abrangendo os territórios, foi defendido por Foucault em sua obra Outros Espaços (1967), afirmando que são vetores de força e fuga da abordagem contemporânea, geradoras de passagens entre distintos campos teóricos. Acima de tudo, a arte é a única forma espontânea do cidadão se reconhecer político e socialmente inserido no sistema, detentor de poder de manifestação de opinião e vontade.

Créditos das fotos a Toni Coutinho.

Créditos da instalação: Metalúrgica OPMAC.

Imagem I

Imagem II

Imagem III

Imagem IV

Imagem V

Imagem VI

Imagem VII

Imagem VIII

Imagem IX

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